por Jenniffer Viana
Marcada pelo sofrimento e pela vulnerabilidade física constante, a vida dos moradores de rua se faz uma luta diária em busca da sobrevivência e da resistência
Era tarde de terça-feira. A idéia de experimentar, por algumas horas, a vida dos moradores de rua de Florianópolis me animou no início. Os dias passaram e o frio na barriga aumentou, pensei que não seria tão fácil uma aproximação. O que eles devem pensar de nós que vamos até eles simplesmente para vasculhar suas vidas?
Enfim chegou o dia! Eu acordei nervosa, não sei o que encontraria pela frente. As horas passaram e enfim, me vi no centro de Florianópolis pronta para dialogar com os moradores de rua.
No começo pensei que iria encontrar pessoas infelizes com a vida que levam. No entanto, muitas se sentem felizes por viverem livre longe da vida regrada que nós, os com teto, levamos.
Era fim de tarde, aos poucos se percebe que realmente morre uma Florianópolis agitada, perturbada enquanto nasce uma cidade lúdica cheia de pessoas que andam pela cidade com histórias marcantes para contar.
Aos poucos me aproximo, junto com minhas colegas de classe, de um pequeno grupo de moradores de rua que estava no Coreto do Largo da Alfândega. Estavam jogando conversa fora, rindo de si mesmos e tomando “água que passarinho não bebe”, é assim que eles intitulam a tão famosa cachaça.
Sentado em um canto um homem que usava boné, camiseta larga, algumas bijuterias e um fone de ouvido, me chamou atenção pelo modo como se comportava diante dos outros. Foi logo perguntando o que queríamos. Aos poucos o diálogo que intitulo de desconfiado foi sendo entabulado. O pseudônimo dele é Curitiba, isso porque vem da capital do estado do Paraná mesmo. Tem 42 anos e vive em Florianópolis há 10. Um homem aparentemente comum, sua aparência não amedrontava, mas suas palavras aterrorizavam.
Curitiba diz ser um homem culto que fala espanhol. Morou na Argentina por três anos, passou pelo Uruguai além de Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. Diz ser o dono do bairro de Canasvieiras na capital, as pessoas para permanecer no lugar têm que lhe pedir permissão. Pergunto no que trabalha e não me responde. Mas aos poucos, em suas próprias palavras, está implícito qual era seu ofício. Pergunto a ele por que veio a Florianópolis. Nesse momento me disse que saiu de Curitiba porque lá está morto, assim como no Rio Grande do Sul. ‘Curitiba’ tem dois atestados de óbito. Usando suas próprias palavras, repito. “A vida me levou a esse caminho”.
Enquanto a entrevista/bate–papo acontece a cidade escurece, algumas pessoas se aglomeram nos arredores, e o nervosismo aumenta a cada minuto que passa. Já estou dispersa do que ‘Curitiba’ fala, estou mais atenta na movimentação que acontece ao redor. Uma coisa em especial chamou atenção. ‘Curitiba’ mostra as diferenças de quem escolhe as ruas para morar. Existem três tipos de moradores de ruas, os malandros, os marginais e os bandidos. Ele se classifica como malandro porque diz fazer apenas sua parte, e não faz mal à sociedade. Suas palavras são controversas afinal ‘Curitiba’ já matou, roubou, e já foi preso. “Eu não fico por muito tempo, fantasma não fica preso, esqueceu que eu tô morto.”
Apesar de tudo que escuto, do relato da vida de um homem com uma história tão marcante, há uma justificativa. As pessoas são o que são em vista da vida que levam ou que levaram. Curitiba não conheceu o pai, tem uma relação conflitante com sua mãe, sua esposa está presa por latrocínio - roubo seguido de morte – sua filha mais nova, com apenas seis meses, está em posse da Justiça, tem um filho morando com sua mãe no qual não mantém contato, e dois filhos no Rio Grande do Sul que ele nem sabe se estão vivos.
Essa história cheia de conflitos e episódios trágicos marcou muito. O mundo que está escondido dos nossos olhares nas ruas de Florianópolis é muito distinto do que imaginamos, mas a condição de habitante das ruas oferece a possibilidade de um olhar único, crítico e pensante sobre o cotidiano.
Fonte: Diario Catarinense
Enfim chegou o dia! Eu acordei nervosa, não sei o que encontraria pela frente. As horas passaram e enfim, me vi no centro de Florianópolis pronta para dialogar com os moradores de rua.
No começo pensei que iria encontrar pessoas infelizes com a vida que levam. No entanto, muitas se sentem felizes por viverem livre longe da vida regrada que nós, os com teto, levamos.
Era fim de tarde, aos poucos se percebe que realmente morre uma Florianópolis agitada, perturbada enquanto nasce uma cidade lúdica cheia de pessoas que andam pela cidade com histórias marcantes para contar.
Aos poucos me aproximo, junto com minhas colegas de classe, de um pequeno grupo de moradores de rua que estava no Coreto do Largo da Alfândega. Estavam jogando conversa fora, rindo de si mesmos e tomando “água que passarinho não bebe”, é assim que eles intitulam a tão famosa cachaça.
Sentado em um canto um homem que usava boné, camiseta larga, algumas bijuterias e um fone de ouvido, me chamou atenção pelo modo como se comportava diante dos outros. Foi logo perguntando o que queríamos. Aos poucos o diálogo que intitulo de desconfiado foi sendo entabulado. O pseudônimo dele é Curitiba, isso porque vem da capital do estado do Paraná mesmo. Tem 42 anos e vive em Florianópolis há 10. Um homem aparentemente comum, sua aparência não amedrontava, mas suas palavras aterrorizavam.
Curitiba diz ser um homem culto que fala espanhol. Morou na Argentina por três anos, passou pelo Uruguai além de Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. Diz ser o dono do bairro de Canasvieiras na capital, as pessoas para permanecer no lugar têm que lhe pedir permissão. Pergunto no que trabalha e não me responde. Mas aos poucos, em suas próprias palavras, está implícito qual era seu ofício. Pergunto a ele por que veio a Florianópolis. Nesse momento me disse que saiu de Curitiba porque lá está morto, assim como no Rio Grande do Sul. ‘Curitiba’ tem dois atestados de óbito. Usando suas próprias palavras, repito. “A vida me levou a esse caminho”.
Enquanto a entrevista/bate–papo acontece a cidade escurece, algumas pessoas se aglomeram nos arredores, e o nervosismo aumenta a cada minuto que passa. Já estou dispersa do que ‘Curitiba’ fala, estou mais atenta na movimentação que acontece ao redor. Uma coisa em especial chamou atenção. ‘Curitiba’ mostra as diferenças de quem escolhe as ruas para morar. Existem três tipos de moradores de ruas, os malandros, os marginais e os bandidos. Ele se classifica como malandro porque diz fazer apenas sua parte, e não faz mal à sociedade. Suas palavras são controversas afinal ‘Curitiba’ já matou, roubou, e já foi preso. “Eu não fico por muito tempo, fantasma não fica preso, esqueceu que eu tô morto.”
Apesar de tudo que escuto, do relato da vida de um homem com uma história tão marcante, há uma justificativa. As pessoas são o que são em vista da vida que levam ou que levaram. Curitiba não conheceu o pai, tem uma relação conflitante com sua mãe, sua esposa está presa por latrocínio - roubo seguido de morte – sua filha mais nova, com apenas seis meses, está em posse da Justiça, tem um filho morando com sua mãe no qual não mantém contato, e dois filhos no Rio Grande do Sul que ele nem sabe se estão vivos.
Essa história cheia de conflitos e episódios trágicos marcou muito. O mundo que está escondido dos nossos olhares nas ruas de Florianópolis é muito distinto do que imaginamos, mas a condição de habitante das ruas oferece a possibilidade de um olhar único, crítico e pensante sobre o cotidiano.
“Florianópolis e Joinville estão entre as cidades do país como maior número de pessoas em situação de rua, em relação à população total. A pesquisa inédita é do Ministério de Desenvolvimento Social (MDS), em parceria com a Unesco. No levantamento, Florianópolis foi a 7ª e Joinville a 20ª. O levantamento avaliou 71 cidades brasileiras e municípios com população superior a 300 mil habitantes, em outubro de 2007.”
Fonte: Diario Catarinense
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