sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Imagens e Retratos da Vida Real

por Alinne Kühlkamp Bosquetti


A grande maioria dos moradores de rua em Florianópolis é do sexo masculino e tem o primeiro grau incompleto. Pelo menos é essa a percepção que nos deu a vivência jornalística nas ruas da cidade.

Os fatos são tão chocantes, a realidade tão dramática, que parece mentira. A angústia de se viver diante das ruas e basicamente abaixo do céu faça sol ou chuva, presenciando a fome, a sede de água limpa e o desejo por um banho que já virara utopia... Tudo é tão cruel que fica difícil acreditar. As vestes não somente têm a cor da labuta como também transpiram o incansável sofrimento de se deitar incontáveis dias nas calçadas e paralelepípedos. Permanecer com a mesma roupa em mais um longo dia de mendicância é algo que já faz parte do cotidiano.

“A maioria aqui usa drogas e depende do álcool. Tem que ser assim pra suportar essa vida”, desabafa Luiz, morador de rua há mais de 30 anos. O sol se põe, os primeiros sinais da noite surgem e com eles a fumaça de cigarros já transcende o que ainda está por vir. A droga parece remédio que cura o sofrimento de não ter um lar. É um tipo de farsa, que encobre as ruínas dessa vida tão injusta. Um praz que ajuda a esquecer e viver com menos intensidade as dificuldades de cada dia.

“A maioria usa drogas
pra suportar essa vida”

Muitos não têm alternativa às ruas, mas outros possuem casa, família e estudo, mas ficam na rua por opção, pelo fato de não se dar bem na convivência familiar, ou para conseguir dinheiro, juntando embalagens retornáveis e vendendo para aproveitamento de reciclados. E na falta de companheiros de sangue, a afinidade com os colegas torna-se muito maior, vira sinônimo de cumplicidade. E quando isso não ocorre, o afeto é dedicado a um bichinho “indefeso”, batizado como melhor amigo do homem.

As doações são sempre bem-vindas. Aliás, muitos dos moradores de rua dependem delas para seu sustento, pois não é sempre que o árduo trabalho de catação de lixo é recompensado ao fim do dia.

O que parece mais entristecer esses moradores é o fato de as pessoas demonstrarem indiferença com essa situação. Quando passam, ignoram, fingem não estar vendo essa realidade tão nítida e ao mesmo tempo invisível em quase todas as esquinas e praças da cidade. E caso haja comoção, ela é momentânea. Minutos depois a pessoa já retoma seu caminho e esquece a cena que presenciou.

É a partir daí que necessita a mudança na nossa sociedade. O desprezo não leva a lugar algum, não traz benefícios e muito menos resolve os problemas do mundo. Mas enxergar a realidade viva e tomar consciência do seu papel na sociedade pode trazer resultados benéficos de cidadãos comprometidos e responsáveis com o futuro e bem-estar de todos os habitantes de sua cidade.

Mais de 32 mil cidadãos moram hoje nas ruas, segundo o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) em pesquisa realizada no ano passado. Diante disso, os mendigos pedem oportunidades de inserção social. “A gente quer ser visto como gente” ressalta Luiz. “Um pão hoje mata a minha fome, mas não garante minha comida de amanhã. Um emprego era o que eu queria”, acrescenta ele, garantindo que doação e esmola não resolvem os problemas dos moradores.

E assim eles vivem na esperança de que o dia seguinte será muito melhor trazendo uma vida digna para todos.

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