sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

O Jardim do Mundo

Por Maurício Chichôrro Schütz

Nós cultivamos nossas flores em canteiros nas portas dos condomínios; em casa, dentro de vasos – molhamo-nas com água do filtro e lá elas ficam. As flores selvagens, aprisionadas, são nossas flores de concreto. As rosas, as violetas, os lírios, as orquídeas como enfeites da lembrança de um Flower Power vencido, ou murcho, ou até mesmo carbonizado pelos rios de napalm.

Na década de 60, os bebês atômicos, filhotes militares das guerras mundiais, deixaram as fraldas e ficaram assim mesmo: nus, cabelos rebeldes, os olhos abertos para aprender todas as coisas que o mundo cantava. Os hippies não apenas viveram, cantaram, dançaram, comeram, beberam e injetaram o amor: acima de tudo, foram militantes do amor. Não existe lápide da morte de toda uma causa – porque nenhuma idéia morre, por mais que seja soterrada e abatida -, mas as pequenas coisas que fizeram ruir o movimento são marcantes.

Jimi Hendrix, Janis Joplin, Jim Morrison – ilustres profetas de uma maldição do inferno psicotrópico, mortos aos vinte e sete anos, pés entrando no Mundo dos Adultos – deram o primeiro recado: a Revolução era para os jovens. A energia canalizada num único feixe de esperança, de vitória, foi dissipada pelo tempo. Bob Dylan, padroeiro a contragosto do movimento hippie, chegou a admitir recentemente que não conseguiria escrever hoje as letras do passado. Mas, principalmente, a luta pela Paz perdeu a sua guerra, seu Vietnam, e o Amor... o coração é sempre o primeiro a se partir, ele nunca teve muita chance contra as vilanias da humanidade. A luta dos hippies, os ideais de amor e desordem, deram lugar, de coração partido, à anarquia punk: a Era de Aquário tornou-se a Era dos Vícios e, então, a Era da Imagem. Fica a saudade de nossos, descalços no sol, heróis de vinil.

Margarida Baird, atriz brasileira, em palestra do dia 16 de outubro no Badesc – seguida logo pelo filme Hair, musical do âmago hippie de 1979, versão cinematográfica adaptada da peça de 69 -, ela mesma uma militante do amor, defende a recarga daquela energia. A juventude alienada, acomodada de hoje – tão cheia das informações e certamente apaixonada, vivendo o amor como pode, parece vencida pelo sistema. Exaltando uma arte mais política, com mais opinião e força, Margarida incorpora alegoricamente o fim dos hippies: o sonho intacto de um jardim do mundo nos cabelos grisalhos, nas responsabilidades da vida – a angústia de ver a batalha sendo vencida pela omissão dos jovens de hoje.

A paixão do mundo, a própria liberdade da arte, da criatividade, da vida vivida ao cerne – vida com V maiúsculo – perdeu a direção. Os heróis de ontem são mártires, vistos como vagabundos derrubados e marginalizados com o mundo comunista: não se luta mais pelas flores, mas por dinheiro. E aí resta alguma esperança: o dinheiro, como as flores, também é inflamável.

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