terça-feira, 7 de junho de 2011

“Você gosta do meu trabalho?”

Com brincos em uma tela de armação de bambu, homem busca seu reconhecimento

De cá para lá, de lá para cá, passos apressados ecoam as idas e vindas pela passarela do Terminal Rita Maria. De longe se ouve uma voz: “Por favor, posso te fazer uma pergunta?” O silêncio é a única resposta, quebrado apenas pelos passos precisos, que toc-toqueam rápidos e concisos, daqueles sujeitos que passam sem sequer olhar para os lados ou para baixo. Por alguns minutos observei a cena, percebi repetidas vezes as mesmas palavras seguidas de um silêncio quase absoluto.

Aproximei-me devagar esperançosa de que ele me fizesse a mesma pergunta, quando me olhou, baixou a cabeça e organizou os brincos e pulseiras na tela preta com suporte de bambu. Nesse momento, parei fitei-o e perguntei: “Quanto custa?” olhou-me nos olhos, com um brilho que lembrou uma criança quando busca o presente do Papai Noel ao pé da árvore de Natal. Ainda me fitando interessado e confuso perguntou: “Você gosta do meu trabalho?” Calmamente abaixei-me e disse: “São lindas peças”.

Pareceu-me feliz e acolhedor, porém, quando afirmei ser estudante de jornalismo e que estava fazendo um trabalho com os perfis dos sujeitos esquecidos da cidade de Florianópolis, pareceu angustiado e na defensiva, suas palavras eram duras e chocantes: “Você vai publicar em seu jornal que eu sou mais uma dessas pessoas chatas que ficam vendendo e incomodando as pessoas na rodoviária? Perguntando aquilo que elas não querem falar repetidas vezes? Porque é isso que as pessoas fazem.” Neste momento fiquei paralisada, como se tivesse levado uma picada de aranha, da qual o veneno causava paralisia geral. Estagnada pelo poder das palavras daquele homem, tentei buscar dentro de mim algo que pudesses quebrar aquele gelo, foi quando lhe fiz uma afirmação: “Você não me disse quanto custa”. Olhou-a novamente com aquele mesmo brilho no olhar de quando as crianças fazem Uau! E disse: “Você gosta do meu trabalho?”
Sim! Isso mesmo, André Marcos 38, sofre de perda de memória recente. É conhecido também por Dedé dos brincos pelos seus amigos, Chiquinho dos Cachorros, 41 e o Irmão Simeão, 44. “Dedé é um ótimo homem, não dá trabalho, fica ali com seus brincos tentando encontrar alguém que se interesse pelo seu trabalho”, diz Chiquinho.

Amigos, é sempre bom ter amigos por perto para nos proteger e nos lembrar quem somos, como afirmou o Simeão: “Precisamos sempre lembrá-lo de quem somos e por que estamos com ele todos os dias, afinal temos que proteger nosso irmão. Ele não se lembra das pessoas e as pessoas nem sabem que ele está aqui”.

Atualmente, os indivíduos estão acostumados a ter tudo instantaneamente e esquecem que o aprendizado é longo e que não dá para ter uma vida em partes. Como não se pode ter apenas uma parte de uma obra de arte, assim como uma nota só não faz uma canção. “As pessoas passam rapidamente por aqui como se quisessem saber e aprender sobre a vida em um segundo, isso é totalmente impossível, porque o aprendizado da vida é necessariamente lento; às vezes doce às vezes sofrível”, declara Chiquinho. A vida é um composto de histórias obtidas ao longo de uma vivência. Por isso, os amigos são ferramentas importantes na vida das pessoas para que nós nunca nos esqueçamos de quem somos.

Dedé se lembra apenas de que sua família dizia ser chato ter que repetir várias vezes a mesma coisa só por que ele se esquecia de tudo, o tempo todo. Por isso resolveu não dar mais trabalho. Aos 25 anos encontrou na rua o acalanto que lhe faltava em casa, seus amigos Chiquinho dos cachorros, Irmão Simeão e uma bela cachorrinha de nome Moça Bonitcha são os responsáveis por fazê-lo se sentir feliz e reconhecido.

Dedé se satisfaz com os seus brincos, passa horas e horas criando e recriando. “Gostamos do seu trabalho”, afirmam Chiquinho e Simeão para Dedé entender que eles são confiáveis, já que ele sofre com a perda de memória e, por isso, podem dormir sossegados. Nesse momento, André pega os seus brincos e sai feliz com os seus amigos, dirigindo-se para o monumento em frente ao terminal rodoviário. Ali se aconchegam.

Qual era a pergunta que Dedé tanto queria fazer às pessoas que passavam apressadas pelo Terminal Rita Maria, sem tempo para poder aprender com a vida? Durante toda a volta para casa fiquei pensando e decidi que deveria voltar outro dia na rodoviária sem pressa para compreender o que Dedé tinha a ensinar. Alguém que para muitos parecia não saber nada sobre o viver.

Sábado de manhã, quase meio dia, cheguei ao terminal e de longe o avistei. Aproximei-me devagar e sem receio de ser questionada, ouvi uma voz: “Por favor, posso te fazer uma pergunta?” E com um imenso sorriso lhe disse sim. Olhou-me e disse: “Você gosta do meu trabalho?” Nesse momento compreendi a essência daquele cidadão. As pessoas precisam ser reconhecidas e se auto-afirmarem por aquilo que fazem. O que ele queria era saber se alguém se interessava pelo seu trabalho.

O Ser humano está sempre preocupado em ser reconhecido por aquilo que faz de melhor. Assim como Jorge da Silva, faxineiro da Rodoviária, quer ser reconhecido pelo que faz. Uns trabalham na comunicação, outros com a saúde, ou são empreendedores, mas querem sempre ser vistos como os melhores. Este também é o sentimento do José Roberto quer ser reconhecido por fazer a melhor pipoca do terminal. Porém, algumas vezes estamos apressados e ocupados demais para perceber que o outro não é invisível.
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Kelli Pierini – 23 anos
Estudante de Jornalismo
Trabalho em uma empresa de sistemas de informação, sou apaixonada pela vida e acredito que a vida não é monocromática, não tem cor de nada ou cor de tudo, mas é o circulo cromático com seus inversos e complementares. Gosto de me colocar no lugar das pessoas e saber como elas se sentem e o que é possível fazer para fazê-las se sentirem melhores e importantes para a sociedade.

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