domingo, 19 de junho de 2011

CORRENDO RISCOS

Um lugar de passagem. Passageiros, caminhantes. Parece uma avalanche de pessoas que andam apressadamente e se encontram com outras no meio do caminho, que estão com tanta ou mais pressa. Ao chegar à sinaleira em frente à faixa de segurança ouvem-se buzinas de motos e carros que alertam as pessoas que estão atravessando a rua durante o sinal vermelho para pedestres. Ou as pessoas estão com muita pressa ou realmente são mal educadas e irresponsáveis.

Ajudo uma senhora que caminha com dificuldades carregando duas enormes bolsas, uma em cada mão. Ofereço-me para levar uma e ainda divido com ela o peso da outra. Pergunto para onde está indo. A resposta vem trêmula e com a respiração ofegante: “Vou até a Rodoviária minha filha”. Não achei que ela fosse tão longe, mas não ia deixá-la carregar tudo sozinha. Pelo caminho percebemos casais de jovens que namoram encostados em alguns pilares ou na entrada do Terminal Integrado, alheios ao movimento eles sentem-se tão à vontade que por alguns momentos até passam dos limites do respeito em lugares públicos.

Eu e a senhora continuamos caminhando e eu entendi porque ela estava andando tão devagar, as bolsas eram muito, muito pesadas. “Vou visitar a minha filha que mora no Paraná, estou com saudades dos meus netinhos.” Uma mulher de pele negra e cabelos brancos que deixa a vontade de ver a família abrandar o seu dia a dia e não se intimida com as dificuldades. “Não posso viajar sempre, minha saúde não é boa, coisas de gente velha. Minha filha trabalha muito para sustentar os dois filhos, o pai deles não ajuda em nada, não quer saber da família, é um bêbado. Eu rezo toda noite pra ela encontrar alguém que seja bom e sei que meus santinhos ainda vão ajudar.” Estou cansada, quase nem posso conversar, aproveito apenas para ouvir. “Você é uma menina boa, é difícil encontrar alguém assim, que ajude a gente, ninguém dá bola para os velhos como eu.” Caminhamos mais um pouco, agora as duas em silêncio, estamos quase chegando à Rodoviária.

Vamos direto para a área de embarque. A senhora se acomoda em uma das cadeiras, eu largo as bolsas no chão e retorcendo os meus dedos que estão bem vermelhos e doendo vou até uma lanchonete, compro duas garrafinhas de água mineral e retorno para perto da senhora. Sento-me ao lado dela, dou-lhe uma das garrafinhas e respiro fundo. Ela me agradece e logo bebe, assim como eu, para aliviar o cansaço. Em seguida, levanto e me despeço. Recebo um abraço carinhoso e muitos votos de felicidade, saúde e um bom namorado. Antes de ir, pergunto o seu nome. Com um sorriso e segurando minhas mãos ela diz “Meu nome é Maria de Lurdes, mas todo mundo me chama de Lurdinha.” Digo meu nome, agradeço a conversa e desejo boa viagem.

Saio da Rodoviária e vou em direção ao Terminal Integrado de Florianópolis. Pessoas correm ou vão tentando cortar caminho andando por onde os ônibus passam. Alguns perdidos entram nas filas e depois verificam se estão no lugar certo. Deficientes visuais caminham por entre aquele alvoroço de pessoas apenas ouvindo o som da muvuca e sendo esbarrados por pessoas que inacreditavelmente não são cegas. Motoristas e cobradores que não estão em serviço reúnem-se sentados nos banquinhos ou em pé em pequenas rodas, ficam rindo, conversando e dobrando o pescoço quando algo lhes chama a atenção. Passageiros procuram moedas nas bolsas e interrompem o avanço da fila com pessoas que já estavam entrando no ônibus.

Alguns estudantes carregam mochilas que parecem mais pesadas do que seu próprio corpo. Crianças andam de mãos dadas com os pais, às vezes choram, às vezes param e não querem mais caminhar. Muitos na ânsia de aliviar a fome, se encostam nos balcões das lanchonetes e comem uma coxinha ou quem sabe um pão de queijo. O banheiro feminino está quase sempre cheio, uma esperando a outra sair para entrar. “Um banheiro de mulheres sem espelho, isso não existe, como vou passar meu batom?”, diz uma jovem de longas tranças e curtas roupas. E continuam as filas para todos os lados, filas de ônibus, filas de pessoas para entrar ou sair do ônibus, filas de placas que indicam os destinos dos ônibus. As filas incrivelmente aumentam e diminuem, rapidamente aparecem e se esvaziam.

Sentada em um banco da plataforma C, Ana Paula Aguiar olhava o movimento a sua volta. Manicure, 24 anos, trabalha em um salão no Centro de Florianópolis. Há dois anos trocou a pequena cidade de Coronel Martins, no oeste catarinense, pela capital do Estado, na tentativa de deixar os dias de trabalho na lavoura para trás, conseguir um emprego e continuar os estudos. Ana Paula aproveita o tempo em que espera seu ônibus chegar para ler uma revista, sonhando em um dia ter um pouco do que vê nas fotos.

Nas filas enquanto uns conversam outros apenas ouvem a conversa alheia, há também os que têm um olhar perdido, concentrados em seus pensamentos. Quando o ônibus encosta na rampa, a reação de todos é olhar o letreiro na esperança de confirmar que é o ônibus que estavam esperando. Os que embarcam primeiro escolhem lugares, os próximos apenas se sentam e os últimos vão em pé. A fila do lado de fora termina momentaneamente, o ônibus segue e em poucos instantes novas filas se formam. Em alguns pontos as filas nem terminam, os que não querem ir em pé já formam uma fila ao lado da que vai embarcar primeiro.

“Na minha cidade eu não tinha muitas chances de ganhar dinheiro, só trabalhava na roça com meus pais”, desabafa Ana Paula. “Não queria casar, ter um monte de filhos e virar dona-de-casa. Quero ter uma vida boa, uma casa enorme... Ah! E também um jardim. Sei que os estudos são importantes e pretendo fazer faculdade, sonho em administrar uma grande empresa, usar aquelas roupas de executivas e principalmente andar de salto alto. Nas revistas vejo muita coisa, muitas fotos, isso me ajuda a ter ainda mais vontade de fazer e conquistar o que eu quero.”

Senhora Maria de Lurdes, motoristas, crianças, alguns passageiros perdidos, outros apressados, Ana Paula, estudantes, cobradores, tantos personagens desfilando no Terminal Integrado e na Rodoviária de Florianópolis. Ambientes com circulação de muitas pessoas onde, às vezes, construímos preconceitos enquanto observamos alguém passar. Lugares que podem possibilitar uma aproximação com pessoas até então desconhecidas, despertar a nossa curiosidade, fazer amizades ou simplesmente bater um papo legal. As pessoas têm diferentes pontos de vista e muitas declarações a dar, mas é somente conversando que corremos o risco de saber o que a outra pessoa tinha para dizer.

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Cinthia Fraga, 28 anos, natural de Urubici - SC. Aluna da 5ª fase de Jornalismo da UNISUL. Adora escrever, ouvir o barulho do mar, apreciar o frio da Serra e ficar perto da família. Gosta de se divertir, dá valor a pequenos gestos de carinho, acredita no valor de um sorriso e adora fazer amigos.

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