terça-feira, 7 de junho de 2011

Luz, câmera...cadê?

Personagens se destacam por passarem despercebidos diariamente no seu ambiente de trabalho

Você já parou para olhar o mundo a sua volta? Parou para olhar o que, ou quem, está escondido nos cantos escuros dos lugares em que você circula? Nosso campo de visão é muito relativo, não depende apenas do seu grau de miopia, astigmatismo e outras anomalias no olho. A miopia social é muito pior e causa danos muito maiores. Essa miopia é instalada no cérebro e filtra o que é ou não importante que nossa visão alcance. Uma espécie de cegueira seletiva.

Essa doença, uma pandemia em nosso planeta, permite e alimenta a exclusão de milhões de brasileiros. Brasileiros, estes, como qualquer um de nós, nascidos sob o mesmo céu e, teoricamente, com os mesmos direitos que qualquer outro tupiniquim. Essa seleção é feita, habitualmente, da seguinte forma: torna-se invisível aquele que não cumprem o padrão de dignidade estipulado socialmente pelos nem tão dignos senhores engravatados.

Nós, os filhos da sociedade burguesa brasileira, tratamos de bloquear as pessoas ao nosso redor por segurar uma vassoura, por estar sentado no chão, ou por ter alguma característica “socialmente inferior a nossa”. Ignoramos a sua existência por soberba, arrogância, ou simplesmente, por medo.

Existem casos de esquecidos em todos os lugares, em Florianópolis não é diferente. Em uma visita ao Terminal Rodoviário Rita Maria na capital catarinense, pude entrar em contato com algumas dessas pessoas que, para os olhos de alguns passam despercebidas como parte da estrutura, ou da decoração da rodoviária.

Um caso peculiar é o da servente, Marilete Simão Pereira Lima, 46 anos. Ela faz, junto com outras colegas, a faxina da rodoviária. É uma das responsáveis por manter aquele espaço mais que limpo, habitável. Além de ser uma senhora muito solícita e envergonhada, dona Marilete é também muito religiosa e impressionável. Contou um típico “causo” de assombração, desses que na ilha tem aos montes, no entanto tão impressionante quanto qualquer outro. Segundo ela, uma noite chuvosa de sexta-feira santa passava pano no piso da rodoviária tranquilamente com mais uma colega. Ao se virar percebeu que havia marcas de passos molhados pelo chão recém limpo, ninguém havia cruzado aquele caminho no momento. Com muito medo, a evangélica dona Marilete diz que foi a primeira vez que viu algo do tipo. Outros colegas já haviam dito que volta e meia o espírito de Rita Maria volta pra dar um passeio pela rodoviária.

O senhor Carlos Alberto Pereira de 54 anos talvez, seja o funcionário mais improvável de se manter uma conversa. Não que ele não seja boa pessoa, mas é pela função que exerce. É o recepcionista do estacionamento da rodoviária. Está envolto por uma pequena cabine com janelas quase totalmente fechadas e grades a sua volta. Seu Carlos é praticamente parte da estrutura da rodoviária, como as paredes, as vigas, os bancos. Sem ele, muita coisa não funciona, mas mesmo assim, vive lá, solitário cumprindo sua função. Sua única companhia nas horas de trabalho é uma televisão muito pequena, com imagem em preto e branco. Seu Carlos conta que não tem preferência por canal nenhum não, mas gosta muito de assistir o jornal da TV Bandeirantes à noite. Sintoniza na Globo quando começam “as chatices de crente”, como ele chama os programas evangélicos. Carismático e bom de conversa, disse que já trabalhou 22 anos numa loja de música. Embora não toque nenhum instrumento, aprendeu muito lá dentro. Dentre idas e vindas está no nono ano de serviços prestados na rodoviária. Considera sua função muito tranquila. Mas embora nunca tenha se estressado com ninguém, já presenciou cenas em que os fiscais da rodoviária foram ameaçados, agredidos, ou tiveram de usar da força pra impedir que alguém atrapalhasse o bom funcionamento do local. Em alguns casos houve necessidade de acionar a polícia, “mas isso é mais no verão, que tem mais movimento e mais gente de fora”.

O terceiro e último personagem é o talentoso Marcelo Bracarense de 35 anos. Artista de rua, ele é natural de São José do Rio Preto, no interior de São Paulo.
Marcelo tem uma filha de 11 anos, a quem vê muito pouco, pois mora com sua ex-esposa e viaja muito vendendo a sua arte para sobreviver. Os desenhos do paulista viajante são muito bons e muito diferentes, são mulheres que fazem alusão aos seis continentes do nosso planeta. Ele diz que em Florianópolis seu trabalho é muito pouco valorizado, já em Garopaba, conseguiu vender bastante. Raramente dorme na rua. Na maioria das vezes consegue pagar uma diária de hotel para se abrigar e assim vai vivendo, viajando e vendendo sua arte a troco de sobrevivência. Marcelo contou que quando jovem participava ativamente do movimento estudantil na sua cidade. Mostrou conhecimento do assunto ao fazer críticas consistentes ao sistema burguês, embora se perdesse, de vez em quando, na linha de raciocínio. Na concepção dele “vivemos em uma sociedade que cativa e cultiva que as pessoas sejam burras” e “o pobre não cresce porque quer ter a vida do rico”. Em 2000, foi escolhido como um dos únicos estudantes brasileiros a participar de um congresso latino-americano de estudantes com entidades de vários países.

Personagens com histórias incríveis que batalham para sobreviver sob as sombras criadas pelos olhos de quem não quer ver, de quem não gosta de ver o que não pertence a sua realidade (ou acha que não). Tanto dona Marilete, como seu Carlos e o jovem Marcelo trazem consigo experiências e vivências que só parando pra conversar por alguns minutos é que podemos perceber. São suas lembranças, esperança, desejos que os mantém em pé e fazem com que cada dia tenham vontade de trabalhar, fazer seu “ganha-pão” e continuar ali, invisíveis, mas vivos.
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Carlos Henrique Pianta da Silva natural de Florianópolis (SC), 23 anos, é graduando o quinto período da faculdade de Jornalismo na Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul) e no primeiro período de História na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Pertence à gestão 2011 VIRAMUNDO do DCE da Unisul. Fez parte do conselho editorial do portal de notícias latinoamericano http://desacato.info/. Participou do XXX Encontro Nacional dos Estudantes de Comunicação (Enecom). Em 2009 fez parte da gestão da Regional Sul da Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação (Enecos). Participou do V Congresso Estadual dos Jornalistas de Santa Catarina, como representante estudantil. Em 2010, fez à cobertura das eleições para o site: http://www.unisul.br/unisulhoje. Trabalhou em 2009 na comunicação do filme De Um Golpe, Honduras!

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