sábado, 22 de agosto de 2009
Jornalismo e Literatura.
Duas e Quinze. É o que o paraguaio algemado ao meu pulso indica.
Duas e quinze da noite.
O cursor pisca insensantemente sobre o branco fosfórico do monitor. No quarto, de luzes apagadas, o brilho pulsante da tela age como um aplauso visível e lento em um auditório deserto.
Meus dedos deslizam agilmente por sobre as teclas de plástico negro. Abaixo do menu Ajuda, caractéres surgem diante dos meus olhos vindo do nada digital.
JORNALISMO.
É o que escrevi. É o que vejo no monitor.
No quarto escuro, Frank Sinatra me convida para voar até a lua. Era bom.
Sinatra cantava no ritmo de meus pensamentos.
Estonteante. Austero. Com paixão. Um apaixonado.
Meus dedos se conectam ao teclado como um beijo involuntário.
Uma nova junção de caracteres formam uma nova palavra.
Literatura.
Paro. Mordo o lábio inferior. Penso.
O cursor pulsa em um transe hipnótico.
Afasto-me da tela, das palavras e do cursor.
Percebo que meus olhos ardem. Percebo que minha mesa transborda.
Um lanche está pela metade.
O refrigerante ainda borbulha em sua lata vermelha.
Os dedos da mão direita estão suspensos acima das teclas.
Não ouso abaixa-los.
Levanto-me. Uma corrente de ar frio viaja através do tempo e penetra em minha coluna. Causame um arrepio.
Da janela observo os prédios. As prostitutas andam em suas roupas minúsculas em todas as direções. Parecem cães sem dono. Carros vem e vão. Ainda há vida na cidade grande, mesmo na madrugada.
As cidades, assim como a vida, jamais param.
Penso se é sobre a vida que tento escrever.
Jornalismo. Literatura. Vida.
Sinatra solta um tom agudo.
Tudo parece estar direito e forte. Tudo acontece de forma correta.
Tanto literatura como jornalismo se usam da palavra para dar corpo e sentido a uma determinada história ou fato.
Verídica ou ficcional. Jornalismo e literatura, respectivamente.
O jornalismo ainda continua em sua frenética corrida para obter o fato no instante em que ele acontece.
Adorno sussurra de onde vem essa obsessão pelo fato “nu e cru”. O fato desprovido de interpretação ou análise.
As palavras do teórico criticava o fazer científico, que se dava através de um modo rígido e inflexivel, baseado na busca da objetividade, da imparcialidade e da verdade. Foi partindo deste princípio, que Adorno começou a defesa pelo “ensaio como forma”. Um discurso em favor de uma liberdade maior ao pesquisar e dissertar sobre determinado objeto de estudo.
Toda a escolha que fazemos por fontes, matérias e pontos de vista mudam o rumo da reportagem.
É fato.
Qual a razão de subestimar o leitor na eliminação de toda a emoção?
Leitor não é burro. Só gosta do que é bom.
Se o jornalismo fala sobre a verdade, ele fala sobre pessoas, sobre lugares, sobre paixões. Sobre a vida.
O leitor quer vida.
O leitor quer aquilo que está ao redor dele. Não quer apenas saber. Deseja ver, ouvir, cheirar e sentir. Deseja, um mundo de verdade.
Acredito ser impossível abandonarmos toda nossa experiência literária no ato de nossa escrita.
Por mais que exista cortes e editores, sempre terá uma análise mais minuciosa dessa ou daquela fonte. Sempre extistirá um lugar verdadeiro pulsando no cursor de nosso monitor, apenas esperando para brotar como um pequeno luxo.
Sempre existe um pequeno espaço para o luxo. Sempre estará ali, a possibilidade de cortejar, não apenas a atenção do leitor, mas também seu coração.
Jornalismo e literatura sempre poderão se influencar mutuamente a ponto de, em alguns momentos, metamorfosearem-se brilhantemente.
Jornalismo e literatura é um casal que gera discussão para uma vida inteira.
Me afasto da janela.
Me arrumo novamente na cadeira.
Digito.
O verdadeiro jornalista é aquele que está atento para os desvios da sociedade e para os desvios de seu ofício.
Os ponteiros marcam Duas e quarenta e cinco da madrugada.
Os dedos descansam. A tela se apaga. Sinatra dispersa seu último truques de voz para o quarto escuro.
Escuro.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário